Na atribulada vida dos médicos, uma prática como a rotina de preencher prontuário está em desuso ou, quando utilizada, muitas vezes vem sendo mal-executada. Um estudo, desenvolvido na Fiocruz Pernambuco, revela que o preenchimento adequado do prontuário ou a ausência deste preenchimento pode abalar a relação de confiança entre profissionais e pacientes, desencadeando perda de credibilidade, complicações nos diagnósticos e comprometer o tratamento. O estudo foi desenvolvido pelo médico Adriano Cavalcante Sampaio.
De acordo com Sampaio, o prontuário é o começo de tudo, desde o primeiro contato com o médico/paciente, como também para cada novo caso em que o registro do paciente precisa ser requisitado. A leitura de um prontuário mal feito pode ser um labirinto que atrasa o caminho da cura do paciente. " Temos que ter respeito pela história do usuário e, nada fica para a história se não estiver escrito. É um direito do cidadão e que consta no código de ética médica" , afirma o pesquisador.
Durante seis anos ele, com o auxilio de dez alunos residentes em medicina, percorreu cinco hospitais do Recife, aplicando questionário e estudando 730 prontuários. Foram avaliados dois hospitais particulares, dois públicos e um filantrópico, que tiveram os seus nomes preservados. Todos tiveram resultados percentuais elevados de ruins e péssimos, como caso de prontuários arquivados em branco.
As diretorias dos hospitais foram unânimes em admitir esta fragilidade. Com o resultado da análise individual destas instituições, o hospital filantrópico teve 59,5% do preenchimento do prontuário qualificado como péssimo, os dois hospitais públicos tiveram 60% e os dois hospitais privados 68,5%. Em geral, se esperava um melhor desempenho do hospital privado, uma vez que ele foi o único hospital presente na pesquisa que é totalmente informatizado. Fornecendo o seu prontuário digitalizado.No entanto, ele apresentou mais de 50% de prontuários considerados ruins e péssimos. Neste caso não houve registro de ilegibilidade, fator que mais prejudicou a análise dos prontuários dos outros hospitais. " O profissional que não preenche o prontuário não dá importância à história, acha que é apenas burocracia" , completa Sampaio.
Preenchimento dos prontuários no serviço público inspiram cuidados
O estudo Prontuário médico, reflexo das relações médico-paciente mostrou que a maior fragilidade ocorre no serviço público de saúde, cujos pacientes são famílias de baixa renda, excluída social, cultural e politicamente. Sendo este usuário mais vulnerável, aumenta a autonomia médica no preenchimento do prontuário, o que pode conduzir a equívocos. " A exclusão do paciente no processo de investigação da sua doença também pode ser pensada como uma ética frágil. O paciente já se sente subjugado pela enfermidade, deposita toda sua esperança no médico, se colocando em um patamar inferior. O médico por sua vez se reveste de autoridade, que pode gerar sérios problemas para o curso do tratamento empregado" , analisa Sampaio. Para ele, este trabalho não tem características de denúncia direta, mas pretende que o sistema tenha uma autocrítica e formule diretrizes melhores, que beneficiem o tratamento do paciente e a própria comunidade médica através de uma análise profissional aprofundada dos seus prontuários, se conscientizando de uma vez por toda da importância do prontuário no processo de cura.
Letra que não esclarece
Comunicar-se por meio da escrita pode ser desafiador e complexo quando se trata do mau preenchimento do prontuário e receitas médicas. A letra médica, quando ilegível, já foi alvo de muitas críticas. Para Sampaio, o receituário faz parte da conduta médica e, o que é prescrito, também deve entrar no prontuário por fazer parte do tratamento. " Neste sentido diria que são gêmeas (prontuário e receita). O paciente com uma receita ilegível na mão aumenta o seu risco e comprometimento à saúde" . Ele alerta que chegando a uma farmácia, o balconista para não perder cliente deduzirá o que está escrito ou então empurrar o medicamento da moda, desencadeando alto risco. Haverá então um prontuário mal feito e uma medicação administrada erroneamente. Outro colega médico também pode incorrer no erro, interpretando equivocadamente o que está escrito. Tendo assim o risco de um prontuário mal feito e uma medicação administrada erroneamente.
Diante de um quadro que requer atenção, o pesquisador aponta passos em direção a melhora do prontuário, consequentemente gerando um melhor atendimento e busca do bem-estar do paciente. Como ponto de partida, ele enxerga que a base é uma melhor formação acadêmica e modelos profissionais a serem seguidos: " Hoje temos a busca acelerada para se formar médico. Esquecendo que esta opção de ser um profissional de saúde implica diretamente na responsabilidade de cuidar de vidas e, para tanto usar de todos os instrumentos necessários, desde o mais simples ao mais complexo, sem nunca se distanciar do aspecto humano" . Ele ressalta que com tantos aparatos técnicos e sofisticações no atendimento, uma coisa simples, que é a boa caligrafia, é determinante no desenvolvimento correto das ações em prol da saúde do paciente" , afirma o pesquisador.
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