segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Anestesia local altera autopercepção

Muitos pacientes relatam "ilusões" quando se submetem a algum procedimento sob a ação de anestesia local. O Dr. Stein Silva e seus colegas do Instituto Nacional de Pesquisas Médicas (Inserm) da França resolveram estudar esses fenômenos.
Os pesquisadores demonstraram que o fato de anestesiar um único braço altera a atividade cerebral, afetando rapidamente a percepção corporal do indivíduo. Os resultados foram divulgados no último exemplar da revista Anesthesiology.
Pesquisas recentes em neurociências têm mostrado que o cérebro é uma estrutura dinâmica - por muito tempo os cientistas acreditaram que o cérebro tinha uma quantidade fixa de neurônios, cuja morte explicaria o declínio cognitivo na velhice. Hoje já sabe que esta teoria não é válida. Fenômenos como a aprendizagem, a memorização, ou a recuperação de um AVC, são possibilitadas pelas propriedades plásticas do cérebro, que se ajusta às necessidades.

O objetivo final do trabalho é tentar entender como os circuitos neuronais são reorganizados no exato momento em que a anestesia faz efeito, e aproveitar a própria anestesia para "reconfigurar" corretamente esses circuitos após o trauma, ou seja, após a percepção da ilusão.
Os resultados vão permitir que, no futuro, as técnicas anestésicas possam ser usadas para tratar, por exemplo, a dor descrita pelos pacientes amputados, no que é conhecido como "membro fantasma".
Infelizmente, a plasticidade cerebral não tem sempre um efeito benéfico. Por exemplo, alguns pacientes amputados portadores de dor crônica (conhecida como dor do membro fantasma) sentem como se seu membro faltante "ainda estivesse lá".
Essas ilusões do membro fantasma estão relacionadas com o surgimento no cérebro de representações incorretas da parte do corpo que foi perdida. E pessoas sob anestesia local relatam ter experimentado essas mesmas imagens falsas.
Com base nessas observações, os pesquisadores queriam descobrir se a anestesia pode, além de cumprir sua função principal, induzir fenômenos comparáveis no cérebro, o que abre caminho para que os anestésicos sejam utilizados como ferramenta terapêutica capaz de modular a atividade do cérebro.
Os pesquisadores observaram três fenômenos com base nos testes em pacientes com um braço anestesiado:
1. Todos os pacientes descreveram falsas sensações em seu braço (inchaço, diferença no tamanho e na forma, posturas imaginárias);
2. em geral, os pacientes sob anestesia demoraram mais tempo para distinguir entre a mão esquerda e a mão direita e fizeram a indicação errada muito mais do que as pessoas que não se encontravam sob anestesia;
3. os melhores resultados foram obtidos quando o membro anestesiado estava visível para o paciente.
Em outras palavras, anestesiar a mão modifica a atividade cerebral e rapidamente muda a maneira como percebemos o mundo exterior e o nosso próprio corpo. A equipe agora irá usar ressonância magnética funcional para caracterizar as regiões afetadas no cérebro.
Eles também esperam que seja possível utilizar a anestesia para fins terapêuticos no futuro modulando a plasticidade pós-lesional - a dor crônica em pacientes amputados e uma melhor recuperação das pessoas que sofrem lesões cerebrais

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